São
duas as fontes de preocupação com a licença condicional do governo dos EUA para
a empresa SHELL perfurar poços no MAR
DE CHUKCHI,
no ÁRTICO: a segurança da operação e sua
contribuição para o aquecimento global.
O
MAR DE CHUKCHI fica ao norte do ESTREITO
DE BERING,
entre ALASCA
e SIBÉRIA.
Estima-se que possa conter 77 bilhões de barris de petróleo, o quíntuplo das reservas do BRASIL. A SHELL pagou US$
2,1 bilhões
para ter direito de explorar uma área ali.
No
entanto, extrair petróleo no ÁRTICO constitui um desafio técnico
considerável, em alguns aspectos pior que o do pré-sal brasileiro. Apesar de a
maior parte desse mar ter pouca profundidade (cerca
de 50 m, contra 2.000 m no caso do pré-sal),
o gelo faz com que só fique navegável por quatro meses no ano.
Ao
se falar em ALASCA e petróleo, a primeira coisa que
vem à mente é o desastre do EXXON VALDEZ. Em 1989, o navio derramou 41 milhões de
litros de óleo cru numa baía remota do GOLFO DO
ALASCA.
Nada
parecido aconteceria no mar de CHUKCHI antes de 2022. Só depois disso a SHELL começaria
de fato a operar os poços. Até lá, o plano prevê perfurações de sondagem, para
coletar dados. Mas esta fase já começou mal.
Na
primeira tentativa, em 2012, a sonda KULLUK –uma das duas em operação para a
empresa no CHUKCHI e no vizinho mar de BEAUFORT –
enfrentou fortes tempestades quando era rebocada.
Em
27 de dezembro, partiu-se a alça na qual ia preso o cabo do rebocador. Quatro
dias depois, após desastrada operação de salvamento, a KULLUK
foi a pique no mesmo GOLFO
DO ALASCA
em que naufragara o EXXON
VALDEZ.
A
partir daí, a SHELL
teve de enfrentar uma profunda auditoria de segurança. Esse processo se
aproxima da conclusão agora, com a série final de condições estipuladas pelo
governo americano para que a empresa possa voltar a operar no CHUKCHI.
Ambientalistas
são contra essa operação no ÁRTICO não só por considerá-la localmente
arriscada, mas porque reservas como essas garantiriam décadas de sobrevida à
indústria do petróleo. E, com ela, a contínua emissão de gás carbônico (CO²)
produzido pela queima de combustíveis fósseis, que agravam o efeito estufa.
Os
campos do CHUKCHI
e do BEAUFORT,
assim como as reservas do pré-sal no BRASIL e do xisto nos EUA, são fontes ditas não
convencionais de petróleo. Elas serão rentáveis apenas se o produto escassear
(ou a demanda aumentar) e seu preço subir, o que agora voltou a acontecer.
As
reservas provadas de petróleo disponíveis no mundo, porém, não cabem no chamado
"ESPAÇO DE
CARBONO"
–ou seja, no orçamento de CO² que a humanidade tem para emitir, se quiser
impedir que o aquecimento global ultrapasse os 2°C, acima dos quais o risco de
eventos climáticos extremos seria excessivo.
Nosso
crédito de carbono está em 565 bilhões de toneladas de CO². Se gastarmos além disso,
estaremos sacando a descoberto na conta da atmosfera e vamos pagar uma taxa de
juros punitiva (ao
pôr sob ameaça aquela meta de temperatura).
Problema: as jazidas de combustíveis fósseis (petróleo,
carvão e gás natural)
somam 2,795 bilhões de toneladas de CO² –o quíntuplo do crédito disponível.
A
recomendação sensata de um analista financeiro seria não recorrer a esse cheque
especial. Em outras palavras, deixar esse carbono nas profundezas do planeta
–em especial naqueles locais em que é arriscado e caro extraí-lo, como no mar
de CHUKCHI.
In FOLHA DE SÃO PAULO - 13/05/2015
- 02:00 horas
MARCELO LEITE - ENVIADO ESPECIAL A BERLIM
O
jornalista MARCELO LEITE viajou a BERLIM a convite do MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES
EXTERIORES DA ALEMANHA.
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