By: Rubens Casara*, (justificando,
grifos nossos).
A
história demonstra que um TRIBUNAL
que julga de acordo com a opinião pública não deve ser
comemorado.
Em
1938,
o líder nazista ADOLF HITLER
foi escolhido o “HOMEM DO ANO”
da revista Time. Antes disso, HITLER
figurou na capa de diversas revistas europeias e norte-americanas,
no mais das vezes com matérias elogiosas acerca de sua luta contra a corrupção
e o comunismo que “AMEAÇAVAM
OS VALORES OCIDENTAIS”. Seus discursos contra a
degeneração da política (e
do povo) faziam com que as opiniões e ações dos nazistas
contassem com amplo apoio da opinião pública, não só na ALEMANHA.
O apelo TRANSFORMADOR/MORALIZADOR
da política e as reformas da economia (adequada
aos detentores do poder econômico) fizeram emergir
rapidamente um consenso social em favor de HITLER
e de suas políticas.
Diversos
estudos apontam que a população alemã (mas,
vale insistir, não só a população alemã) apoiava HITLER
e demonizava seus opositores, inebriada por matérias jornalísticas e
propaganda, conquistada através de imagens e da manipulação de significantes de
forte apelo popular (tais
como “inimigo”, “corrupção”, “valores tradicionais”, etc.).
[1]
Em material de repressão aos delitos, os NAZISTAS,
também com amplo apoio da opinião pública, defendiam o lema “o
punho desce com força”; e,
[2]
e
a relativização/desconsideração
de direitos e garantias individuais em nome dos superiores “interesses
do povo”.
A
“JUSTIÇA
PENAL NAZISTA” estabeleceu-se à custa dos direitos
e garantias individuais, estas percebidas como obstáculos à
eficiência do ESTADO
e ao projeto de purificação das relações sociais, e, do CORPO
POLÍTICO, empreendida pelo
grupo político de HITLER.
Aliás,
a defesa da “LEI E DA ORDEM”, “DA
DISCIPLINA E DA MORAL” eram elementos retóricos presentes em
diversos discursos e passaram a integrar a mitologia nazista. Com o apoio da
maioria dos meios de comunicação, que apoiavam o afastamento de
limites legais ao exercício do poder penal, propagandeando uma justiça penal
mais célere e efetiva, alimentou-se a imagem populista de HITLER
como a de um herói contra o crime e a corrupção, o que levou ao aumento do
apoio popular a suas propostas.
HITLER,
aproveitando-se de seu prestigio, também cogitava alterações legislativas em
matéria penal, sempre a insistir na “fraqueza” dos dispositivos
legais que impediriam o combate ao crime. Se o legislativo aplaudia e encampava
as propostas de HITLER,
o JUDICIÁRIO
também não representou um obstáculo ao projeto nazista. Muito pelo contrário.
Juízes,
alguns por convicção (adeptos
de uma visão de mundo autoritária), outros acovardados,
mudaram posicionamentos jurisprudenciais sedimentados para atender ao FÜHRER
(vale lembrar que na
mitologia alemã o FÜHRER
era a corporificação dos interesses do povo alemão).
Vale lembrar, por exemplo, que para CARL SCHMITT,
importante teórico ligado ao projeto nazista, o “povo”
representava a esfera apolítica, uma das três que compõem a unidade política,
junto à esfera estática (Estado) e à esfera dinâmica (Movimento/Partido Nazista),
esta a responsável por dirigir as demais e produzir homogeneidade entre
governantes e governados, isso através do FÜHRER
(aqui está a base do chamado “DECISIONISMO
INSTITUCIONALISTA”, exercido sem amarras por HITLER,
mas também pelos juízes nazistas).
O
medo de JUÍZES
de desagradar a “OPINIÃO PÚBLICA”,
e, cair em desgraça – acusados
de serem coniventes com a criminalidade e a corrupção –, ou
de se tornar vítima direta da POLÍCIA POLÍTICA NAZISTA
(não faltam notícias de
gravações clandestinas promovidas contra figuras do próprio GOVERNO e do PODER JUDICIÁRIO)
é um fator que não pode ser desprezado ao se analisar as violações aos direitos e
garantias individuais homologadas pelos TRIBUNAIS
NAZISTAS. Novamente com o apoio dos meios de comunicação,
e sua enorme capacidade de criar fatos, transformas insinuações em certezas e
distorcer o real, foi fácil taxar de inimigo todo e qualquer opositor do
regime.
Ao
contrário do que muitos ainda pensam (e
seria mais cômodo imaginar), o projeto nazista não se impôs
a partir do recurso ao terror e da coação de parcela do povo alemão, HITLER
e seus aliados construíram um consenso de que o terror e a coação
de alguns eram úteis à maioria do povo alemão (mais uma vez,
inegável o papel da mídia e da propaganda oficial na manipulação de traumas,
fobias e preconceitos da população). Não por acaso, sempre
que para o crescimento do ESTADO PENAL NAZISTA
era necessário afastar limites legais ou jurisprudenciais ao exercício do poder
penal, “JURISTAS”
recorriam ao discurso de que era necessário ouvir o povo, ouvir sua voz através
de seus ventríloquos, em especial do FÜHRER,
o elo entre o povo e o ESTADO,
o símbolo da luta contra o crime e a corrupção.
Também
não faltaram “JURISTAS”
de
ocasião para apresentar teses de justificação do arbítrio (em
todo momento de crescimento do pensamento autoritário aparecem “JURISTAS” para
relativizar os direitos e garantias fundamentais). Passou-se,
em nome da defesa do “COLETIVO”,
do interesse da “NAÇÃO”,
da “DEFESA
DA SOCIEDADE”, a afastar os direitos e garantias
individuais, em uma espécie de ponderação entre interesses de densidades
distintas, na qual direitos concretos sempre acabavam sacrificados em nome de
abstrações.
Com
argumentos utilitaristas (no
mais das vezes, pueris, como por exemplo o discurso do
“fim
da impunidade” em
locais em que, na realidade, há encarceramento em massa da população)
construía-se a crença na necessidade do sacrifício de direitos.
A
ALEMANHA
NAZISTA
(como a
ITÁLIA
do fascismo clássico)
apresentava-se como um ESTADO DE DIREITO,
um estado
autorizado a agir por normas jurídicas. Como é fácil perceber,
a existência de leis nunca impediu o terror. O ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO, pensado como um modelo à superação
do ESTADO
DE DIREITO, surge com a finalidade precípua de impor limites
ao exercício do PODER,
impedir violações a direitos como aquelas produzidas no ESTADO
NAZISTA.
Aliás,
a principal característica do ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
é
justamente a existência de limites rígidos ao exercício do poder (princípio da legalidade estrita).
Limites que devem ser respeitados por todos, imposições legais bem delimitadas
que vedam o decisionismo (no ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO existem decisões que devem ser tomadas
e, sobretudo, decisões que não podem ser tomadas).
O
principal limite ao exercício do poder é formado pelos direitos e garantias
fundamentais, verdadeiros trunfos contra a opressão
(mesmo que essa opressão
parta de maiorias de ocasião, da chamada “OPINIÃO PÚBLICA”).
Sempre que um direito ou garantia fundamental é violado (ou, como se diz a partir da ideologia
neoliberal, “flexibilizado”) afasta-se do marco
do ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO.
Nada,
ao menos nas DEMOCRACIAS,
legitima a “flexibilização” de uma garantia
constitucional, como, por exemplo, a presunção de inocência (tão atacada em tempos de populismo
penal, no qual a ausência de reflexão – o “vazio do
pensamento” a
que se referia H.
ARENDT – marca a produção
de atos legislativos e judiciais, nos quais tanto a doutrina adequada à CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA quanto os dados produzidos em pesquisas
sérias na área penal são desconsiderados em nome da “opinião pública”).
Na
ALEMANHA
NAZISTA,
o FÜHRER
do caso penal (o “guia”
do processo penal, sempre, um inquisidor) podia afastar
qualquer direito ou garantia fundamental ao argumento de que essa era a
“vontade do povo”, de que era necessário na “GUERRA
CONTRA A IMPUNIDADE” ou na “LUTA
DO POVO CONTRA A CORRUPÇÃO” (mesmo
que para isso fosse necessário corromper o sistema de direitos e garantias)
ou, ainda, através de qualquer outro argumento capaz de seduzir a população e
agradar aos detentores do PODER POLÍTICO
e/ou ECONÔMICO
(vale lembrar aqui da ideia
de “malignidade do bem”:
a busca do
“bem”
sempre serviu à prática do
“mal”;
inclusive o mal radical).
O
MAL
nunca é apresentado como “algo mal”. Basta pensar, por
exemplo, nas prisões brasileiras que violam tanto a legislação interna quanto
os tratados e convenções internacionais ou na “busca da verdade”
que, ao longo da história foi o argumento a justificar a tortura, delações
ilegítimas e tantas outras violações. E no BRASIL?
* * *
Por
fim, mais uma indagação: em que medida, as tentativas de proibir a publicação da
edição crítica do livro “MINHA LUTA”,
de ADOLF
HITLER, ligam-se à vergonha dos atores jurídicos de
identificar naquela obra suas próprias opiniões?
Da mesma forma que ilegalidades não devem ser combatidas com ilegalidades, o “FASCISMO/NAZISMO”
não
deve ser combatido com práticas “NAZISTAS/FASCISTAS”,
como a proibição de livros (aqui
não entra em discussão a questão ética de buscar o lucro a partir de uma obra
nazista). Importante conhecer a história, para que tanto
sofrimento não se repita.
*RUBENS
CASARA é Doutor em Direito,
Mestre em Ciências Penais, Juiz de Direito do TJ/RJ, Coordenador de Processo
Penal da EMERJ e escreve a Coluna “Contra Correntes”
– in
PRAGMATISMO
POLÍTICO (www.pragmatismopolitico.com.br)
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