·
In “Estadão On Line” -
·
Por Murilo Roncolato
Em
artigo, Vinton Cerf, um dos pais da INTERNET diz que conceituá-la a como
direito nos faria valorizar as coisas erradas
Vinton Cerf foi
membro do DARPA, agência
americana de projetos de defesa fundamental para a criação da base da INTERNET.
|
SÃO PAULO – Uma das figuras fundamentais para a construção da INTERNET da maneira como a conhecemos
hoje é Vinton Gray
Cerf, membro da IEEE e Vice-Presidente
do GOOGLE desde 2005. Em
um artigo publicado 04/01/2012
(quarta feira), pelo NEW YORK TIMES, o criador adjunto do padrão TCP/IP se esforçou para deixar um claro uma opinião que tende a aquecer um debate
que já circula internacionalmente há algum tempo: a internet não deve ser
considerada um direito humano.
|
Viton Gray Cerf - Foto: Lucas Jackson/Reuters
A posição de Vinton faz referência
às atitudes de países (como
Finlândia e França) e da ONU que classificaram o acesso à internet como um direito humano sob a
justificativa de que estar online seria fundamental para a cidadania, assim
como a liberdade de expressão. Em junho, a ORGANIZAÇÃO
DAS NAÇÕES UNIDAS declarou em um relatório oficial que a INTERNET estava sob ataque de governos em quase todo o
mundo e por isso deveria ser protegida. Para isso, declarou a INTERNET um direito humano, o que geraria para um infrator – um país que barrasse a
sua população de acessar a WEB, por exemplo – punições internacionais. Vinton Cerf argumenta que não é o acesso à INTERNET que deve ser
protegida sob a tutela do Direito, pois
se trata apenas um instrumento, um meio pelo qual as pessoas podem exercer seus
direitos básicos, como o de acesso
à informação e o de se expressar. Diz Cerf em seu artigo:
“A
tecnologia é um meio que possibilita estes direitos, e não um direito em si.
Existe um critério mais elevado para que alguma coisa seja considerada um
direito humano. Em sentido amplo, ela deve ser uma daquelas coisas das quais
nós, seres humanos, precisamos a fim de poder levar uma vida saudável, dotada
de sentido, como uma existência sem tortura ou a liberdade de consciência.
É
um erro colocar determinada tecnologia nesta eminente categoria, porque ao
longo do tempo acabaremos valorizando as coisas erradas.”
O atual executivo do Google
argumenta que a própria ONU “admitia que a internet é valiosa como meio para
alcançar um fim, e não um fim em si mesma”. Para ele, em
vez de um direito humano, o acesso à internet poderia ser garantido sob o conceito
de direito civil – como um
serviço universal, ficando ao lado do serviço telefônico – o que, segundo ele, seria estabelecido por lei
e, por isso, tutelado pelo Estado.
O coordenador adjunto do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV do Rio de Janeiro,
Carlos Affonso, analisa que do texto de Cerf pode-se ter a impressão de que a INTERNET deveria ser vista de um ponto de vista puramente técnico,
ignorando assim a pluralidade de atores que participam
desse ambiente como a sociedade civil, as empresas (enquanto usuárias da rede) e, principalmente, o teor político do debate sobre a garantia do acesso.
“A crítica dele é a de é a pessoa por trás da
tecnologia que precisa ser tutelada, e não a tecnologia em si”, diz Affonso. “Mas perceber a INTERNET apenas como uma tecnologia é uma visão que tira
dela toda uma visão social e política que a própria engenharia da internet e
seus aspectos técnicos carregam. É
importante não levar o texto dele a um extremo e elevar o tema da tecnologia
para além do ponto de vista técnico.”
No final de seu artigo, Cerf aponta como responsabilidade dos “criadores de tecnologia” em responder pelos “direitos humanos e civis”. “Neste contexto,
os engenheiros não só têm a tremenda obrigação de conferir a capacidade aos
usuários de usar a tecnologia, mas também a obrigação de garantir a segurança
dos usuários”.
Para ele, os engenheiros – e nesse ponto ele invoca a
associação à qual pertence, o INSTITUTO DOS ENGENHEIROS ELÉTRICOS E ELETRÔNICOS – deveriam ter consciência das “responsabilidades civis além da
capacidade” dos engenheiros. “Aprimorar a INTERNET é apenas um meio,
embora um meio importante, pelo qual é possível aprimorar a condição humana.
Isto deve ser feito com a valorização dos direitos civis e humanos que devem
ser protegidos – sem pretender que o acesso em si a esta tecnologia
seja um direito.”
Engrossando o caldo O professor de direito da FGV-RJ, Carlos Affonso, contrapõe
a fala de Cerf lembrando que “a
estrutura da internet – sendo uma rede descentralizada de redes – é de escolhas
técnicas que formam uma tecnologia gerando um meio altamente político, com
consequências sociais e econômicas graves”.
“Em
tempos de Primavera Árabe, quando você tem uma pessoa do
calibre do Vint Cerf dizendo que a INTERNET não
é um direito humano poderia
representar uma negativa para o tema. Mas não é isso. É preciso
não reduzir o que ele escreveu e relacionar também com o que tem dito nos
últimos anos”, pondera Affonso que lembra dos encontros internacionais de que participou com a presença
de Vinton Cerf, como o realizado
em Nairobi, no qual o papel dos direitos humanos na tecnologia foi alvo de debate.
No dia 14 de
dezembro, Vinton Cerf enviou uma carta
para o congressista americano Lamar Smith, membro do COMITÊ DE
JUSTIÇA DO CONGRESSO e autor da Stop Online Piracy Act, lei antipirataria online conhecido
pela sigla “S.O.P.A.” No documento, o ex-membro da DARPA se mostra preocupado com as consequências da norma, diz que o bloqueio
a sites era algo “problemático” e sugere
inúmeras alternativas ao projeto. A lei “prejudicaria a arquitetura da INTERNET e obstruiria o
esforço de 15 anos pelos setores público e privado visando melhorar a segurança
cibernética através da implementação do DNSSEC, um conjunto de
extensões projetado para solucionar vulnerabilidades de segurança no DNS [Sistema de Nomes
de Domínios].”
Por fim diz ter “preocupações sobre
a eficácia e inteligência dessa legislação”.
Carlos Affonso questiona se o artigo feito para o NYT não faz parte da
discussão sobre o S.O.P.A. mesmo que não cite a lei. “Vint" diz que INTERNET é uma tecnologia, essa tecnologia é papel de técnicos e é necessário que não se polua o
debate com questões políticas. É uma forma de dizer que os rumos
da INTERNET tomados por governos nos últimos anos podem
comprometer a mesma.
O artigo do Vint que pode ser
tomado como uma análise do aspecto político da INTERNET pode ser visto pelo lado oposto: o recado ‘a
movimentação política que interfira na tecnologia é uma decisão que pode
reduzir direitos fundamentais’. Só não sabemos se a melhor resposta é colocar o aspecto técnico
separado do política como ele fez.
Nenhum comentário:
Postar um comentário