DA
REUTERS – in “Folha de São Paulo”
03/11/2012 - 05h30min.
A QUESTÃO LOGISTICA.
Quando
o caminhoneiro
Marcondes
Mendonça, 27, inicia a viagem
para transportar milho do CENTRO-OESTE DO
BRASIL até o Porto de Santos
(SP),
no litoral
paulista, ele reza para ser protegido
dos buracos nas rodovias e dos motoristas alucinados;
e, pensa com terror nos
lamentáveis banheiros que precisará encarar durante os sete dias de estrada.
O
gargalo
da infraestrutura é um dos maiores
desafios enfrentados pelo Brasil,
sexta
maior economia mundial, com chances de desbancar na
temporada 2012/13 os EUA,
líder
mundial na produção de soja.
Ele
também se prepara para outros inconvenientes:
congestionamentos,
atrasos
no porto, e, uma burocracia que cada vez mais atrapalha o fluxo de bens e serviços
no maior país da América Latina.
Neste
contexto de aumento de produção e logística deficitária,
os transportadores avaliam que o preço do
frete rodoviário deve crescer cerca de 30%.
A
escassez
de caminhoneiros e uma nova lei que
determina períodos mínimos de descanso para esses profissionais também
colaborarão para o aumento dos custos da nova safra,
já
que o tempo de viagem crescerá.
Mendonça,
o jovem
caminhoneiro, pai de dois filhos
e fã
de música sertaneja, trabalha para uma COOPERATIVA
DE FRETE e faz bico como instrutor
para futuros colegas.
"Que Deus nos proteja",
diz
ele, com a voz impondo-se a um chiado do freio a ar do seu veículo.
A
reportagem seguiu com o veículo por 1.600
dos 2.100
quilômetros da viagem, percorrendo muito asfalto danificado, lembranças
de acidentes mortais e refúgios noturnos com espaço para um último
caminhão.
A
viagem começou em Rondonopolis,
MATO
GROSSO e atravessou
outros dois Estados até chegar ao PORTO DE
SANTOS.
O
custo
do frete
nesse trajeto representou quase 40%
do valor pelo qual a carga de 37 toneladas de milho
foi negociada em Santos.
Para
percorrer uma distância semelhante nos EUA,
principalmente
sobre barcaças, o custo seria de apenas 10% do valor da carga.
"A logística está congestionada", disse Glauber
Silveira, produtor de Mato Grosso
e Presidente da ASSOCIAÇÃO
DOS SOJICULTORES DO BRASIL, que perdem
um quarto do seu faturamento com o transporte. "O
comprador está perdendo, e o produtor também."
Com
o vasto
território, abundância de água e fazendas de alta tecnologia, o Brasil
é o maior
produtor mundial de açúcar, café e suco de laranja, além de liderar a
exportação de carne bovina e de frango e estar prestes a se tornar o maior em
soja.
Mas
a vantagem que o Brasil
costumava ter em termos de custo está sucumbindo ao preço do transporte.
O
frete da FAZENDA
ao PORTO
já custa no Brasil mais do que o dobro do frete
marítimo até a China;
e, essa relação está crescendo
rapidamente por causa do pagamento de melhores salários aos caminhoneiros e da
entrada em vigor da lei que exige descanso mínimo para eles.
Por
causa dessa elevação de custos, os negociantes de
produtos agrícolas estão sendo obrigados a pagar mais pela soja brasileira só
para garantir a continuidade das lavouras.
Caso
os preços
se aproximem
demais do custo,
isso irá desincentivar "seriamente"
a produção brasileira, segundo Kona Haque,
analista
do MACQUARIE
BANK.
A
Presidente
Dilma
Rousseff divulgou recentemente planos para atrair US$
66 bilhões em investimentos privados para estradas,
ferrovias e outras instalações.
Presidente Dilma Rousseff - lançamento dos planos para melhoria da malha ferroviária brasileira.
Eles
incluem o prolongamento de uma rodovia até um terminal fluvial no rio TAPAJÓS,
afluente
do AMAZONAS
--apesar de ter alguns dos maiores rios do mundo, o Brasil
realiza pouco transporte fluvial de cargas.
Essa
nova
ligação oferecerá, a partir de 2014,
uma redução de 900 quilômetros
no trajeto até o ATLÂNTICO,
mas
a capacidade das barcaças ficará limitada por causa da pequena profundidade dos
rios.
Da
cabine do caminhão guiado por Mendonça,
descortina-se uma visão privilegiada do
abismo: aquele que separa as
ambições
de primeiro mundo do BRASIL
e, o, das condições bem mais modestas da vida real.
A
viagem teve início na segunda-feira em Rondonópolis,
entreposto
logístico no SUL DE MATO GROSSO.
A essa altura, Mendonça
já havia passado três dias em
viagem até uma cidade, mais ao norte, onde lotou suas duas carretas com
milho.
De
RONDONÓPOLIS,
ele seguiu para o sul. Rosários
de contas pendiam do espelho retrovisor, acompanhando cada balanço do
caminhão.
Três
horas depois da partida, o caminhão chegou a ALTO
ARAGUAIA, onde a jornada de Mendonça
já poderia terminar. Lá, a empresa AMÉRICA
LATINA LOGÍSTICA opera uma ligação ferroviária direta
até SANTOS.
Cada
trem da COMPANHIA,
com 80
vagões, pode transportar o equivalente a 230
caminhões articulados como o de Mendonça,
mas consumindo
o mesmo diesel que apenas 40 carretas.
Terminal ferroviário da empresa América Latina Logistica - Alto Araguia
No
entanto, a demanda elevada depois da safra faz com que os trens
fiquem lotados, e os preços não compensam muito,
segundo os produtores.
Além disso, o transporte por trem leva o mesmo tempo, pois, os vagões demoram muito para serem carregados nas várias paradas do percurso e descer a SERRA DO MAR, logo antes de chegar ao porto.
A
rede
ferroviária brasileira, de 29
mil quilômetros, é hoje menor do que foi há 90 anos.
EMPRESAS
DE COMMODITIES dizem que há urgência nessas obras.
Numa pesquisa feita pela FUNDAÇÃO DOM CABRAL
junto a 126 empresas que geram mais de um
quarto do PIB brasileiro, a principal sugestão para a redução
do custo do frete é a construção
de mais ferrovias.
Os
economistas
têm dificuldades para quantificar o impacto da infraestrutura
precária sobre a economia, mas concordam que as
limitações na rede de transportes e a saturação dos portos impedem a economia
de crescer de modo consistente acima de 4% ao ano --taxa
necessária para que o Brasil
alcançasse o status de nação desenvolvida, segundo
especialistas.
A maioria dos novos
projetos ferroviários ainda está a pelo menos cinco anos da conclusão.
Primeira etapa da Ferrovia Leste-Oeste
ficará pronto somente no ano de 2014.
´ As obras da Ferrovia Norte-Sul com obras mais adiantada, mas, sem previsão de conclusão.
NA
BOLEIA
E
assim Mendonça seguiu viagem. Antes
da meia-noite,
ele parou num posto com área de descanso. Dormiu num
colchão no fundo da cabine.
Na terça-feira, o veículo chegou à divisa com MATO GROSSO DO SUL.
Em
2006,
mudou-se para Rondonópolis
e começou a trabalhar, ganhando cerca de R$3.000
por mês. Engordou 24 quilos no primeiro
ano que passou ao volante. Casou-se.
O
trabalho é constante, mas as transportadoras
têm
dificuldades para encontrar novos motoristas --com
o desemprego próximo do seu menor nível histórico no Brasil,
os
trabalhadores encontram muitas outras oportunidades em profissões menos
cansativas.
"Não há banheiros nem áreas de descanso decentes, e, a poeira
está por todo lado", queixou-se o caminhoneiro
Aguinaldo
da Silva Tenório, 28 anos, numa parada do trajeto.
Os
caminhoneiros também se queixam dos perigos --roubos
ocasionais e estradas ruins e congestionadas.
Com
frequência, os motivos de maior preocupação dos motoristas são seus próprios
colegas.
Na
pressa de chegar ao porto --muitos são pagos por frete--,
fazem
ultrapassagens imprudentes. Muitos também usam “cocaína”
e "rebite", uma droga derivada de anfetaminas,
para
se manterem acordados.
"Quando você está sonolento, resolve; mas, você
pode acabar causando uma grande confusão",
diz o caminhoneiro Ademir Pereira,
36 anos, que admitiu ter usado "rebite" uma vez. Já Mendonça
diz
que nunca consome drogas para ficar acordado.
OLHOS
ABERTOS
Mais
de 1.200
caminhoneiros
morreram
no ano passado em rodovias federais, segundo dados da POLÍCIA
RODOVIÁRIA FEDERAL.
Para
reduzir o consumo de drogas ao volante e diminuir o número de vítimas,
o GOVERNO
recentemente
determinou pela primeira vez um período mínimo de descanso para os
caminhoneiros.
Motoristas
contratados por empresas, que
são a maioria, agora devem passar no máximo oito horas
por dia ao volante. Para os autônomos, a
jornada pode chegar a 13 horas.
Na terça-feira à noite, Mendonça dormiu em outra área de descanso. Ao meio-dia de quarta, ele parou em um restaurante já no NORTE DO ESTADO DE SÃO PAULO. Lá, uma funcionária elogiou a nova lei.
"Antes, a gente via os caminhoneiros entrando aqui com
os olhos quase fechados", disse Nilda
Pereira Alves Pinto. "Agora eles não ficam mais com
tanta pressa."
Poucos
discordam dos motivos da lei; mas, alguns se
queixam de que está mais difícil cumprir prazos, e, os
custos é que aumentaram.
"Se não nos deixarem dirigir durante a noite, não haverá
caminhões suficientes", disse o caminhoneiro
autônomo Marcelo Galbati,
que esperava o conserto de um pneu.
Na
noite
de quarta-feira,
a reportagem
passou por fora de São Paulo,
e, o
tráfego ficou mais pesado à medida que caminhões de todo o
Brasil
se
afunilavam nas duas rodovias que dão acesso a Santos,
a cerca de
80 quilômetros da capital paulista.
Ele
já havia ultrapassado a jornada de trabalho máxima, mas não tinha onde parar.
Às
2:00
horas, quando o caminhão descia
a serra em meio à MATA ATLÂNTICA,
um
acidente paralisou a rodovia. Uma
hora depois, o veículo chegou a uma parada de descanso.
"A coisa está feia", disse uma atendente,
acenando para que Mendonça
tentasse
a sorte buscando uma vaga para estacionar, após
20 horas ao volante.
Na
manhã de quinta-feira,
Mendonça
esperava
autorização para seguir até o terminal portuário, a 20 quilômetros dali, onde a companhia
norte-americana de commodities Archer
Daniels Midland Co. recebe
os caminhões com grãos para então despachar o produto em navios.
ADMINISTRAÇÃO
O Porto de Santos é administrado pela Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp).
LOCALIZAÇÃO
Está localizado no centro do litoral do estado de São Paulo, estendendo-se ao longo de um estuário limitado pelas ilhas de São Vicente e de Santo Amaro, distando 2km do oceano Atlântico.
ÁREA DE INFLUÊNCIA
Compreende o estado de São Paulo e grande parte de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais e Paraná.
O Porto de Santos é administrado pela Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp).
LOCALIZAÇÃO
Está localizado no centro do litoral do estado de São Paulo, estendendo-se ao longo de um estuário limitado pelas ilhas de São Vicente e de Santo Amaro, distando 2km do oceano Atlântico.
ÁREA DE INFLUÊNCIA
Compreende o estado de São Paulo e grande parte de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais e Paraná.
O porto é
famoso por sua burocracia e não dá conta do crescente volume de carga que
recebe.
Só
depois das 16:00 horas o TERMINAL
ficou
disponível para Mendonça.
A essa altura, porém, descarregar
significaria ir embora do PORTO
bem
tarde; e, novamente enfrentar
dificuldades para achar uma área de repouso.
Por
isso, Mendonça decidiu dormir na área de espera
do terminal.
Só
na manhã
de sexta-feira,
quase uma semana depois de deixar RONDONÓPOLIS,
Mendonça
conseguiu
finalmente levar o caminhão para uma plataforma e descarregá-lo,
a
poucos metros dos navios que iam sendo enchidos com grãos com destino a outros
continentes.
O
valor
da carga de 37 toneladas:
US$10.200
O custo
do frete: US$3.800.
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